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O SIMPLES É COMPLICADO
A Lei Complementar 123, de 14 de dezembro de 2006, que estabelece normas relativas ao tratamento diferenciado e favorecido a ser dispensado às microempresas e empresas de pequeno porte nos âmbitos da União, do Distrito Federal, dos Estados e dos Municípios, tem sido anunciada pelas autoridades como algo muito bom, que vai contribuir significativamente para aumentar a atividade econômica ou ao menos a formalização desta, com a regularização de muitas micro e pequenas empresas. Parece, porém, que mais uma vez a realidade é diferente do discurso do governo. A análise que acabo de fazer me leva a pensar que a referida lei tem muitos pontos negativos, a começar pelo casuísmo e má redação de seus oitenta e oito artigos, quase todos desdobrados em vários parágrafos, alíneas e incisos. Do ponto de vista substancial, isto é, quanto à vantagem oferecida às micro e pequenas empresas no que diz respeito ao valor dos tributos, não é fácil de se dizer se a nova lei trouxe vantagem efetiva. O regime especial que se diz favorecido abrange oito incidências tributárias que ficam unificados em um único pagamento, com valor estabelecido em função da receita bruta e tendo em vista o setor da atividade desenvolvida, sendo de 4% a 11,61 para o comércio; 4,50% a 12,11% para a indústria; 6% a 17,42 para serviços e locação de bens móveis; e de 4,50% a 16.85% para serviços. Além desse valor da incidência unificada sobre o faturamento bruto, as empresas enquadradas nesse regime dito simplificado de tributação ficam sujeitas, ainda, a nada menos do que treze incidências tributárias possíveis, entre as quais merecem destaque: a) o imposto sobre a renda de aplicações financeiras e sobre os lucros eventualmente auferidos na venda de bens do ativo fixo, e imposto de renda na fonte sobre pagamentos ou créditos que fizer a pessoas físicas, e b) o ICMS nos casos de substituição tributária e de cobrança antecipada do imposto, como acontece na maioria das mercadorias no Ceará. Como se vê, além de casuística essa lei chega a ser mesquinha ao formular exigências, como a do imposto de renda sobre ganhos de capital na venda de bens do ativo fixo. No caso de empresas comerciais sediadas no Ceará, como em outros Estados que também adotem a cobrança antecipada do ICMS na maioria das mercadorias que entram em seu território, a opção pelo regime dito simplificado deve ser precedida de cuidadosa avaliação, pois poderá ser desvantajosa. É que além do ICMS integrante do valor unificado, terá de pagar esse imposto em relação às mercadorias compradas, seja no regime de substituição tributária, seja nos casos de cobrança antecipada. Do ponto de vista das formalidades, da burocracia, das obrigações ditas acessórias, a Lei Complementar 123 na verdade não simplificou. O casuísmo excessivo termina por complicar a vida daqueles que eventualmente optarem pelo regime que se diz simples, mas a rigor é em verdade muito complexo. E de certa forma a nova lei chega a revelar mesquinhez. Não se pode acreditar que seja significativo, para o tesouro, o imposto de renda que venha a ser arrecadado sobre os lucros eventualmente auferidos na venda de bens do ativo fixo, por exemplo. Mas não há dúvida de que essa forma de incidência de imposto complica a vida das pequenas empresas que vierem a optar pelo simples na esperança de ter simplificada sua burocracia tributária. Ou a norma será desconsiderada, ou ensejará rigoroso controle burocrático, que tornará o simples mais complicado do que deveria ser. A rigor, as empresas que se vincularem ao simples deveriam ter simplesmente um pagamento a fazer por mês, estando neste consubstanciados todos os tributos. Nada justifica a persistência de outras exigências tributárias. Por outro lado, a nova lei criou um sério obstáculo à formalização de inúmeras pequenas empresas, nas quais alguém, titular de patrimônio significativo e dedicado a outras empresas, fornece o capital para alguém, sem patrimônio, implantar e gerir uma empresa, que será efetivamente dirigida por este último. O titular de patrimônio significativo não administra, mas é sócio e nessa condição terá responsabilidade solidária e ilimitada pelas dívidas tributárias da sociedade. Assim, a nova lei criou um obstáculo à formalização de pequenas empresas, pois não é razoável imaginar-se que alguém, que não é dirigente da empresa, queira assumir responsabilidade solidária e ilimitada pelas obrigações tributárias desta. Há, todavia, um único ponto no qual a Lei Complementar nº 123/2006 está a merecer elogios. Em seu art. 86 estabelece que ?as matérias tratadas nesta Lei Complementar que não sejam reservadas constitucionalmente à lei complementar poderão ser objeto de alteração por lei ordinária.? Com isto o legislador reconhece decididamente que a identidade específica da lei complementar não depende da matéria da qual ela se ocupa, mas dos aspectos formais dos quais se reveste a sua produção. Como a lei não deve conter dispositivos inúteis ou desnecessários, o sentido do art. 86, da Lei Complementar 123, só pode ser do reconhecimento de que a lei ordinária não pode alterar uma lei complementar, salvo, é claro, quando esta o autorize expressamente.

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