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A IDENTIDADE DA LEI COMPLEMENTAR E A LEI DO SIMPLES -PARTE I
1. INTRODUÇÃO As teses jurídicas devem ser construídas com fundamento nos valores essenciais que o Direito deve preservar. Esses valores são os mais sólidos alicerces para o edifício da doutrina jurídica. Doutrina elaborada sem a influência de interesses ocasionais, que embora legítimos às vezes perturbam a elaboração doutrinária e por isto mesmo devem ser excluídos, tanto quanto possível, na construção das teses que a final integram a denominada Ciência do Direito. Por outro lado, a doutrina é um ingrediente absolutamente indispensável na construção de um sistema jurídico e no seu funcionamento. É que as prescrições normativas, enquanto expressões de linguagem, são necessariamente dotadas de diversos significados, o que demanda um difícil trabalho de interpretação, vale dizer, demanda a construção doutrinária. Além da construção jurisprudencial com a qual convive, mantendo permanente troca de influências. O elaborador de prescrições jurídicas normativas, vale dizer, o legislador, deve buscar a realização dos valores essenciais da humanidade. A doutrina e a jurisprudência encerram, porém, tarefas complementares sem as quais a lei se revela insuficiente nessa tarefa hercúlea de realização daqueles valores. A vida e o espírito postulam um direito justo, mas pedem também, e antes de tudo, segurança, e portanto um direito certo, ainda que menos justo. "A certeza do direito, sem a qual não pode haver uma regular previsibilidade das decisões dos tribunais, é na verdade condição evidente e indispensável para que cada um possa ajuizar das conseqüências de seus actos, saber quais os bens que a ordem jurídica lhe garante, traçar e executar os seus planos de futuro." A segurança é um dos valores fundamentais da humanidade, que ao Direito cabe preservar. Ao lado do valor justiça, tem sido referida como os únicos elementos que, no Direito, escapam à relatividade no tempo e no espaço. ?Podemos resumir o nosso pensamento? - assevera Radbruch ? ?dizendo que os elementos universalmente válidos da idéia de direito são só a justiça e a segurança.? Daí se pode concluir que o prestar-se como instrumento para preservar a justiça, e a segurança, é algo essencial para o Direito. Em outras palavras, sistema normativo que não tende a preservar a justiça, nem a segurança, efetivamente não é Direito. Por tudo isto nos parece que entre duas interpretações igualmente aceitáveis do ponto de vista de uma interpretação literal de prescrições jurídicas devemos acolher aquela que melhor realize a segurança jurídica. E por isto mesmo nos parece que a tese segundo a qual a identidade específica da lei complementar decorre de elementos formais, e não do conteúdo da lei, deve prevalecer, até porque a tese contrário nos parece contribuir significativamente para incrementar a insegurança que, especialmente em matéria tributária, tem se tornado excessiva em nosso País. 2. SEGURANÇA JURÍDICA E IDENTIDADE DA LEI COMPLEMENTAR Temos sustentado, já faz algum tempo, que a doutrina segundo a qual a identidade específica da lei complementar se perfaz com o elemento material, não realiza o valor segurança. A tese que atribui ao legislador a tarefa de definir o âmbito das matérias constitucionalmente reservadas à lei complementar prestigia muito mais a segurança jurídica do que a tese que sustenta ser essa tarefa própria de todos os aplicadores das leis, como intérpretes da Constituição. Mesmo admitindo-se que o legislador passe a editar leis complementares para o trato de matérias que estejam fora dessa reserva constitucional. Por outro lado, a identidade específica de todas as normas jurídicas, no mundo inteiro, se estabelece a partir de elementos formais, especialmente a partir da competência para editar normas e do procedimento adotada na elaboração de cada uma delas. Se essa é a regra, e a sua observância propicia mais segurança, não nos parece razoável adotarmos em relação à identidade específica da lei complementar critério excepcional, diverso, que leva em conta a matéria versada, que incrementa consideravelmente a insegurança. A Constituição Federal em diversos dos seus dispositivos formula reserva de matérias à lei complementar. Para facilitar nossa exposição vamos nos referir apenas a alguns deles, que tratam de matéria tributária. Aqueles cuja análise, mesmo superficial, nos parece suficiente para demonstrarmos a enorme insegurança criada pela atribuição, a todos os intérpretes da Constituição, da tarefa de delimitar as matérias reservadas a essa importante espécie normativa. Vejamos: Art. 146. Cabe à lei complementar: I ? dispor sobre conflitos de competência, em matéria tributária, entre União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios; II ? regular as limitações constitucionais ao poder de tributar; III ? estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária especialmente sobre: a) definição de tributos e de suas espécies, bem como, em relação aos impostos discriminados nesta Constituição, a dos respectivos fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes; b) obrigação, lançamento, crédito, prescrição e decadência tributários; c) adequado tratamento tributário ao ato cooperativo praticado pelas sociedades cooperativas; d) definição de tratamento diferenciado e favorecido para as microempesas e para as empresas de pequeno porte, inclusive regimes especiais ou simplificados no caso do imposto previsto no art. 155, II, das contribuições previstas no art. 195, I, e §§ 12 e 13, e da contribuição a que se refere o art. 239. O exame dessas normas do art. 146 já nos demonstra que se o intérprete da Constituição atribuir a algumas das palavras e expressões nelas contidas um significado amplo, inteiramente possível em face da Teoria do Direito Tributário de todos conhecida, chegaremos à conclusão de que praticamente todo o Direito Tributário deve ser composto por leis complementares. O que devemos entender por normas gerais sobre legislação tributária ? Essa questão já pode ser suficiente para que se estabeleça um interminável debate em torno da delimitação do campo das leis complementares em matéria tributária. Teríamos de admitir que os fatos geradores e as bases de cálculo de todos os impostos devem ser descritos em lei complementar ? Teríamos de admitir também que todos os prazos de prescrição em matéria tributária devem ser fixados pela lei complementar ? Como se não bastasse, estabelece, ainda, a Constituição: Art. 146-A. A lei complementar poderá estabelecer critérios especiais de tributação, com o objetivo de prevenir desequilíbrios da concorrência, sem prejuízo da competência de a União, por lei, estabelecer normas de igual objetivo. Onde estará, neste caso, a fronteira entre a matéria reservada à lei complementar e aquela que pode ser tratada por lei ordinária ? Ao que nos parece neste caso não existe fronteira. Mesmo de difícil determinação. Tudo nos leva a crer que a lei complementar será utilizada simplesmente para obrigar Estados e Municípios, mas tratará exatamente da mesma matéria que pode ser tratada, no que concerne aos tributos federais, por lei ordinária da União. E em sendo assim coloca-se a questão crucial: a lei complementar não será hierarquicamente superior à lei ordinária da União ? A dificuldade, que é evidente, de se definir os limites das matérias das quais só a lei complementar se pode ocupar conduz, automaticamente, à dificuldade na definição da identidade específica dessa espécie normativa. Quando se afirma que a lei complementar é apenas aquela que trata das matérias reservadas pela Constituição a essa espécie normativa, retira-se do legislador a atribuição de interpretar com exclusividade as normas da Constituição que definem aquelas matérias, deixando-se essa atribuição com todos os intérpretes da Constituição. Em outras palavras, retira-se do legislador a atribuição de estabelecer a identidade específica das leis complementares, transferindo-se essa atribuição para a doutrina e para a jurisprudência, o que, por razões de todos conhecidas, instaura enorme insegurança, na medida em que deixa a critério de cada doutrinador e de cada juiz a atribuição de dizer se determinada lei aprovada como lei complementar é realmente dessa espécie normativa ou se é uma lei ordinária. Bem melhor, portanto, para realizar o valor segurança, é admitirmos que o legislador decida o que deve ser tratado por lei complementar, em atenção aos dispositivos da constituição que estabelecem a reserva de certas matérias a essa espécie normativa. Mesmo que o legislador, por qualquer razão, utilize a lei complementar para regular matérias que não se encontram no campo a essa espécie normativa reservado pelo Constituição, isto só contribuirá para prestigiar o valor segurança, evitando-se que as normas sobre tais matérias venham a ser alteradas por eventuais maiorias parlamentares que podem aprovar uma lei ordinária embora não alcancem o quorum necessário para aprovação de lei complementar. Como se vê, não há dúvida de que da identificação da lei complementar por critério formal resulta maior segurança jurídica. Além disto, voltando-se à análise do assunto no plano do Direito positivo, também não vê razão alguma para admitir que a identidade específica da lei complementar deva depender da matéria de que se ocupa, pois não existe na Constituição nenhum limite à utilização da lei complementar

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