,
EXTINÇÃO DO CRÉDITO E EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE NOS CRIMES CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA - PARTE I
1. INTRODUÇÃO Nos dias atuais a Ciência do Direito tem como sobejamente demonstrada a insuficiência do elemento literal na interpretação das normas jurídicas. O elemento literal é insuficiente não apenas porque não nos conduz ao significado adequado da norma, mas porque muita vez nos conduz a resultado inteiramente absurdo. Indispensável, pois, a utilização de outros elementos, entre os quais o teleológico ou finalístico e o contextual. Por outro lado, os princípios, entre eles o da razoabilidade, são a bússola indispensável para o intérprete. A final o Direito é realmente um fruto e um instrumento da racionalidade humana, que nos distingue a nós, humanos, dos outros animais habitantes de nosso planeta. Não podemos, outrossim, esquecer que finalidade essencial do Direito consiste em colocar limites ao poder, para viabilizar a convivência harmoniosa dos homens, e a solução justa dos conflitos inevitáveis nessa convivência. No plano do Direito Penal temos de ver as normas como limitações ao poder/dever de punir que o grupo social atribui ao Estado. Por isto mesmo é que nesse campo do Direito a civilização construiu valiosos princípios, como o da legalidade e o da tipicidade, que se completam como instrumentos de defesa da liberdade humana. E à luz dos quais, até para a realizar sua finalidade essencial, os doutrinadores têm preconizado o uso da analogia como meio de integração normativa quando favoreça o acusado, assim como a denominada interpretação extensiva das normas, também apenas em favor do acusado. É com base nessas considerações que há de ser enfrentada a questão de saber se a extinção do crédito tributário, por qualquer das causas legalmente previstas, implica a extinção da punibilidade nos crimes contra a ordem tributária ou se, diversamente, só o pagamento, em sentido estrito, produz tal conseqüência. Conhecemos caso no qual foi impetrado hábeas corpus em favor do réu, com pedido de trancamento da ação penal por crime contra a ordem tributária. Alegou-se que embora feito o lançamento respectivo, a Fazenda Pública não promoveu a execução fiscal. Assim, consumada a prescrição, estaria extinta a punibilidade. O Ministério Público Federal, todavia, sustentou que o prazo de prescrição a ser considerado para a extinção da punibilidade é o estabelecido na lei penal, e não o previsto na lei tributária. Não seria possível, assim, o trancamento de ação penal por crime contra a ordem tributária, proposta que fora esta muito antes de consumado o prazo de prescrição estabelecido pela lei penal. Trata-se, data vênia, de um evidente sofisma. Não se tinha no caso a extinção da punibilidade pela prescrição da ação penal. Evidentemente a ação penal não estava prescrita. O prazo que produz tal efeito é realmente o estabelecido no Código Penal. A causa extintiva da punibilidade alegada naquele caso era a extinção do crédito tributário pela prescrição, nos termos do art. 156, inciso V, do Código Tributário Nacional, coisa inteiramente diversa. A inadmissibilidade da ação penal por crime contra a ordem tributária, quando tenha ocorrido a extinção do crédito tributário, pela prescrição ou por qualquer outra causa, nada tem a ver com a prescrição relativa a ação penal. É causa extintiva da punibilidade inteiramente diversa da prescrição penal, introduzida em nosso Direito Penal como uma opção de política legislativa. Causa nova, até então desconhecida na doutrina do Direito Penal, cuja adoção em nosso Direito positivo se fez adequada em face das peculiaridades dos crimes contra a ordem tributária, em especial do seu caráter utilitarista. É o que pretendemos neste pequeno estudo demonstrar. 2. EXTINÇÃO DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO 2.1. As causas de extinção do crédito tributário O artigo 156 do CTN arrola as causas de extinção do crédito tributário, a saber: a) o pagamento; b) a compensação; c) a transação; d) a remissão; e) a decadência; f) a prescrição; g) a conversão do depósito em renda; h) o pagamento antecipado e a homologação do lançamento; i) a consignação em pagamento; j) a decisão administrativa irreformável; l) a decisão judicial passada em julgado; m) a dação em pagamento de bens imóveis. Esse rol não é exaustivo. A extinção do crédito tributário pode decorrer de outras causas, ainda que isto seja excepcional. 2.2. O pagamento O pagamento é a causa ordinária, por isto mesmo a causa de ocorrência mais freqüente de extinção do crédito tributário. O pagamento extingue não apenas o crédito no sentido formal, mas também a relação obrigacional tributária. Não é, todavia, a única causa de extinção do crédito tributária. É apenas a mais comum, mais freqüente, a causa que ordinariamente opera a extinção dos créditos tributários em geral. Entre as várias outras causas de extinção do crédito tributário, algumas operam a extinção também da própria obrigação tributária. Outras extinguem apenas o crédito tributário como entidade formal, sem extinguirem o seu substrato. 2.3. Outras causas de extinção do crédito tributário mencionadas no CTN Além do pagamento, extinguem o crédito tributário diversas outras causas, a maioria delas operando a extinção da própria relação jurídica obrigacional subjacente, impedindo a constituição de um novo crédito. A seguir vamos indicar e definir sumariamente essas causas 2.3.1. Compensação Entende-se por compensação o encontro de débitos e créditos. Ocorre quando o devedor do crédito tributário em questão seja ao mesmo tempo credor da Fazenda Pública. 2.3.2. Transação Reportando-se ao art. 1.025 do Código Civil de 1916 Rubens Gomes de Sousa definiu transação como ?o ajuste pelo qual as partes terminam um litígio, ou evitam que ele se verifique, mediante concessões mútuas.? E acrescenta que isso não seria possível no direito tributário, por ser a atividade administrativa do lançamento vinculada e obrigatória, o que significa que a autoridade fiscal não pode deixar de efetuar o lançamento exatamente como manda a lei, não podendo fazer concessões. Aponta, porém, uma exceção, concernente aos tributos federais. É que em regra a relação tributária não admite transação, mas está pode ocorrer em virtude de lei específica que o estabeleça. 2.3.3. Remissão Rubens Gomes de Sousa reportando-se ao art. 1.049 do Código Civil de 1916 diz que remissão ?é o perdão da dívida pelo credor. Não pode ocorrer no direito tributário porque, sendo a autoridade fiscal obrigada a efetuar o lançamento sempre que verifique a hipótese prevista em lei, não tem a faculdade de perdoar dívidas tributárias, a não ser quando autorizada por lei expressa: é o caso das leis de anistia fiscal.? Não obstante o Código Tributário Nacional coloca entre as causas de extinção do crédito tributário a remissão (artigos 156, inciso IV e 172). E com isto não desmente o Mestre Gomes de Sousa porque exige lei autorizadora. O que não é possível é a remissão praticada pela autoridade da Administração Tributária por sua própria iniciativa. Em face do princípio da legalidade que rege a Administração Pública em geral, e especificamente a atividade de administração tributária, a remissão só é possível mediante autorização legal expressa e específica. 2.3.4. Prescrição e decadência Tanto a prescrição, como a decadência, são instrumentos de realização do princípio da segurança jurídica. Nada justificaria a permanência das relações jurídicas por tempo indeterminado. Assim, a lei estabelece a extinção das relações jurídicas ao cabo de certo lapso de tempo, que estipula, para que sejam exercitados os direitos nelas albergados. A inércia do titular do direito durante certo tempo implica a extinção do direito. A maioria dos tributaristas demonstra insegurança ao lidar com esses institutos, utilizando as palavras decadência e prescrição como se fossem sinônimos, e se reportando a um, ou ao outro instituto, indistintamente. Na verdade, porém, prescrição e decadência são institutos jurídicos bem distintos, e no que diz respeito à obrigação tributária principal estão muito bem estabelecidos nos artigos 173 e 174 do Código Tributário Nacional, que cuidam, o primeiro da extinção do direito de lançar, e o segundo da extinção do direito de cobrar o crédito tributário. Diz-se que a decadência extingue o direito lançar, vale dizer, o direito de constituir o crédito tributário, e que a prescrição extingue a ação destinada a sua cobrança. Não se explica, porém, porque é assim, de sorte que não se reportando o legislador, explicitamente, à decadência, ou à prescrição, resta sempre a ser resolvida a questão de saber se de uma ou da outra está cuidando em cada caso. Por isto é que em relação ao art. 168, que estabelece prazo extintivo do direito de pleitear a restituição do tributo indevidamente pago, persistem os equívocos dos que, a partir da lição de Baleeiro, consideram que se trata de prazo de decadência. Equívoco em que também incorremos, afirmando que o prazo estabelecido pelo art.168 do Código Tributário Nacional é de decadência, quando tal prazo na verdade é de prescrição, como demonstramos ao comentar aquele dispositivo. A distinção essencial entre decadência e prescrição, capaz de explicar porque a primeira atinge o próprio direito material, enquanto a segunda atinge a ação que o protege, reside na própria natureza do direito material que no primeiro caso é afetado diretamente, e no segundo indiretamente. A decadência atinge o direito de lançar, vale dizer, o direito de constituir o crédito tributário pelo lançamento. Já a prescrição atinge o direito de ação, ou direito de cobrar o crédito tributário. Assim, de decadência se cuida antes do lançamento, enquanto de prescrição se cuida depois do lançamento. Em direito tributário, a fronteira entre a decadência e a prescrição é precisamente o lançamento. 2.3.5. Conversão de depósito em renda. Quando um contribuinte pretende discutir em juízo a exigência de um tributo, seja antes ou depois de constituído o crédito tributário, tem a faculdade de efetuar o depósito do valor correspondente. O depósito integral do crédito tributário suspende a exigibilidade deste. A decisão favorável à Fazenda Pública manda que o depósito seja convertido em renda. Com o seu trânsito em julgado, ocorre a conversão do depósito em renda e a conseqüente extinção do crédito tributário questionado. 2.3.6. Pagamento antecipado e homologação do lançamento O pagamento antecipado não opera por si mesmo a extinção do crédito tributário. Por isto mesmo a data do pagamento não marca o início do prazo de extinção do direito de pleitear a restituição do tributo pago indevidamente. Tal prazo só começa com a constituição do crédito tributário, até porque seria ilógico admitir-se a extinção antes da constituição deste. A rigor, a constituição e a extinção do crédito tributário, em se tratando de tributos sujeitos ao lançamento por homologação, opera-se simultaneamente. O decurso do prazo de cinco anos, a contar do fato gerador do tributo, implica homologação tácita da apuração feita pelo contribuinte. E com esta a constituição do crédito, que se extingue imediatamente, pela decadência. A causa extintiva é a soma dos dois fatos, o pagamento antecipado mais a homologação do lançamento, seja expressa ou tácita. Com a homologação a Administração Pública afirma que a apuração do valor do crédito tributário, feita pelo contribuinte, está correta. Em conseqüência, o pagamento realizado antes (pagamento antecipado) é tido como adequado, operando-se então a extinção do crédito ao qual corresponde. 2.3.7. Consignação em pagamento A consignação em pagamento é, a rigor, uma forma especial de pagamento que pode ser posta em prática sempre que ocorra um obstáculo ao pagamento como forma ordinária de extinção do crédito tributário. A ação de consignação em pagamento é cabível nos casos indicados pelo art. 164 do Código Tributário Nacional. Com a mesma efetua-se o pagamento por uma via excepcional, em face das peculiaridades do caso. 2.3.8. Decisão administrativa irreformável. A decisão administrativa irreformável também é causa de extinção do crédito tributário. É a decisão com a qual a própria Administração afirma, em última instância, não ser juridicamente procedente a exigência que está sendo feita ao contribuinte. Não ter fundamento jurídico o crédito tributário questionado. Seja porque reconhece não existir o seu suporte substancial, vale dizer, reconhece não existir a obrigação tributária considerada no lançamento, seja porque reconhece haver sido o lançamento feito de forma indevida, vale dizer, sem obediência às formalidades legalmente estabelecidas para esse fim. A distinção é relevante. Se a decisão administrativa afirma não existir a própria obrigação tributária, o crédito estará extinto definitivamente. Não haverá oportunidade para um novo lançamento, vale dizer, para que a administração proceda novamente a constituição do crédito tributário. Se, porém, a decisão que extingue o crédito tributário reconhece apenas que o lançamento respectivo foi feito sem observância das exigências legais para esse fim, então um novo lançamento poderá ser feito. Em qualquer caso quando ainda não haja decorrido o prazo previsto no art. 173 do Código. E mesmo que haja decorrido o prazo do art. 173, na hipótese prevista em seu inciso II, vale dizer, quando se trate de anulamento por vício formal, pois neste caso o inciso II, a Administração terá um novo prazo para esse fim. 2.3.9. Decisão judicial passada em julgado A decisão judicial passada em julgado, favorável ao contribuinte, também é causa de extinção do crédito tributário. A rigor, em terminologia mais precisa, temos de admitir que as decisões judiciais não extinguem propriamente a relação jurídica obrigacional. Elas extinguem apenas o crédito tributário enquanto relação simplesmente formal, desprovida de conteúdo. A relação jurídica obrigacional que tenha sido utilizada para a constituição do crédito tributária ou não existia, ou então, se existia, subsiste. Realmente, a decisão judicial favorável ao contribuinte pode reconhecer que o crédito tributário foi constituído sem que existisse obrigação tributária a lhe emprestar substância. Reconhece, portanto, que não era podia a Administração fazer o lançamento porque não existia obrigação tributária. O tributo não era devido. Neste caso a extinção do crédito tributário é definitiva. Pode ocorrer, porém, que a decisão judicial favorável ao contribuinte apenas afirme que o lançamento foi feito de forma indevida. Sem obediência às formalidades legais. Neste caso, se ainda não decorrera o prazo de decadência, o lançamento poderá ser feito novamente, por força do disposto no art. 173 inciso II, do Código Tributário Nacional. Entretanto, se já decorrera o prazo de decadência, o lançamento só poderá ser feito novamente se a decisão tiver anulado o lançamento anterior. Não na hipótese de haver afirmado ser aquele inexistente. 2.3.10. Dação em pagamento A dação em pagamento é um instituto do direito privado, mais especificamente um instituto do direito das obrigações, segundo o qual o credor pode consentir em receber prestação diversa da que lhe é devida, como está dito no art. 356 do vigente Código Civil. E a rigor equivale a uma compra e venda, posto que determinado o preço da coisa dada em pagamento, as relações entre as partes regular-se-ão do contrato de compra e venda. A norma do inciso XI, do art. 156, do Código Tributário Nacional, não autoriza a aquisição de bens imóveis sem a observância das normas do Direito Administrativo aplicáveis à aquisição desses bens pela Fazenda Pública. A questão essencial, portanto, que se estabelece para sua aplicação, diz respeito ao estabelecimento do preço do bem imóvel a ser recebido em pagamento. 2.4. Causas de extinção não mencionadas no CTN 3.1. Novação e confusão O art.156 do Código Tributário Nacional não menciona entre as modalidades de extinção do crédito tributário a novação e a confusão, além de outras referidas pela doutrina. Para Rubens Gomes de Sousa trata-se de modalidades de extinção inaplicáveis ou aplicáveis excepcionalmente à obrigação tributária. Talvez por isto mesmo não se encontram mencionadas no Código. Sobre a novação e a confusão doutrina Baleeiro: ?No Direito Privado, há outras modalidades de extinção de obrigações, como a novação (Código Civil, arts. 999 e 1.008) e a confusão (Código Civil, arts. 1049 a 1052), que o CTN não contemplou. A novação, isto é, a constituição de nova dívida para substituição da anterior, ou substituição de credor por outro novo, não parece compatível com a obrigação tributária. Mas a confusão, isto é extinção determinada quando, por um fato ou ato jurídico, as qualidades de credor e devedor se reúnem na mesma pessoa, pode acontecer esporadicamente no Direito Tributário. Se o pai credor, p. ex., vem a ser herdeiro necessário do filho devedor, desaparece a dívida deste para com ele, porque ninguém pode ser credor de si mesmo, ainda que civilistas, inclusive Espínola discutissem o autocontrato (Selbscontrahiren). Ora, uma pessoa de Direito Público pode ser legatária da universalidade de bens e obrigações de alguém. A União recolhe as heranças jacentes, isto é, os bens deixados pelos defuntos sem herdeiros nem legatários conhecidos. Passando a dona da universitas rerum do de cujos, opera-se aí a confusão.? A doutrina refere, ainda, outras causas de extinção do crédito tributário. Ricardo Lobo Torres, por exemplo, menciona como causas de extinção do crédito tributário não mencionadas pelo Código Tributário Nacional além da novação, e da confusão, a impossibilidade de cumprimento da prestação, e a antecipação do pagamento sem a ocorrência do fato gerador. A nosso ver o Código Tributário Nacional não proíbe que o legislador autorize, em situações específicas, a utilização de outras fórmulas jurídicas de extinção do crédito tributário. Importante é apenas que sejam preservados os interesses da Fazenda Pública e dos contribuintes. Seja como for, o importante é entendermos que o rol de causas de extinção do crédito tributário não é exaustivo e que a lei outras causas pode estabelecer. Desde que se reconheça presente uma causa suficiente para operar a extinção do crédito tributário, portanto, ter-se-á presente o efeito, vale dizer, a extinção de que se cuida. E a questão que se coloca, então, é a de saber se ocorrendo a extinção do crédito tributário ao qual esteja ligada a prática de um crime contra a ordem tributária, opera-se, ou não, a extinção da punibilidade em relação a esse crime. Em outras palavras, coloca-se a questão de saber se a palavra pagamento, como causa de extinção da punibilidade nos crimes contra a ordem, deve ser entendida literalmente, ou se deve ser entendida em sentido mais amplo, como sinônimo de extinção definitiva do crédito tributário. Para oferecermos resposta segura a essa questão vamos examinar os dispositivos legais que cuidam da extinção da punibilidade pelo pagamento assim como as razões pelas quais esses dispositivos foram introduzidos em nosso Direito positivo. 3. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE PELO PAGAMENTO 3.2. Evolução legislativa 3.2.1. A Lei nº 4.729/65 A Lei nº 4.729, de 14 de julho de 1965, que instituiu o crime de sonegação fiscal, disse extinguir-se a punibilidade "quando o agente promover o recolhimento do tributo devido, antes de ter início, na esfera administrativa, a ação fiscal própria." O que na verdade extinguia a punibilidade, então, era a denúncia espontânea da infração, que extingue a responsabilidade pela infração, nos termos do art. 138 do Código Tributário Nacional. Havia perfeita coerência entre essas disposições legais. O art. 2º, da Lei nº 4.729/65, atribuía ao pagamento do tributo o efeito de extinguir a punibilidade, porque em se tratando de denúncia espontânea da infração não se podia cogitar de penalidades administrativas. O pagamento do qual se cogitava era do tributo, simplesmente. Iniciada a ação fiscal, o pagamento do tributo já não era mais possível sem as penalidades administrativas, porque não extinguia a responsabilidade pela infração. Podia dar-se o pagamento do tributo acrescido de multa, podendo ocorrer a redução desta, em percentual maior se feito no prazo para a reclamação, ou menor, se feito no prazo para o recurso administrativo. Por outro lado, iniciada a ação fiscal, o pagamento já não extinguia a punibilidade, no âmbito criminal, embora pudesse ser considerado uma forma de arrependimento, da qual decorreria a redução da pena. 3.2.2. O Decreto-lei nº 157/67 O Decreto-lei nº 157, de 10 de fevereiro de 1967, estabeleceu que o pagamento, mesmo depois de iniciada a ação fiscal, extinguia a punibilidade. Mas o pagamento do tributo acrescido das multas devidas. Neste caso, desde que ainda não julgado o respectivo processo, nem seria necessário o pagamento. Bastava o depósito, desde que o débito fosse pago depois da decisão de primeira instância, e obviamente com renúncia ao recurso administrativo. Além disto, o referido Decreto-lei estendeu para crimes não previstos na Lei nº 4.729, a causa extintiva da punibilidade. Assim, o pagamento passou a extinguir a punibilidade também nos crimes de contrabando ou descaminho. 3.2.3. A Lei nº 6.910/81 A Lei nº 6.910, 27 de maio de 1981, restringiu o alcance do pagamento como causa de extinção da punibilidade, que passou então a não abranger os crimes de contrabando ou descaminho. Em relação ao crime de contrabando tal providência restritiva tinha inteiro cabimento, pois, como se sabe, nesse crime não se cogita da sonegação do imposto, mas da violação de norma proibitiva de importação, ou de exportação. 3.2.4. Lei nº 8.137/90 A Lei nº 8.137, de 27 de dezembro de 1990, definiu os crimes contra a ordem tributária, em seus artigos 1º a 3º, e estabeleceu: Art. 14 - Extingue-se a punibilidade dos crimes definidos nos artigos 1º a 3º quando o agente promover o pagamento do tributo ou contribuição social, inclusive acessórios, antes do recebimento da denúncia. Também aqui tinha-se a extinção da punibilidade mediante a reparação integral dos prejuízos decorrentes do cometimento delituoso, antes do recebimento da denúncia. Estava de certa forma preservado o direito do contribuinte ao acertamento administrativo da relação tributária. Esse dispositivo albergava razoável, se não a melhor solução legislativa, posto que evitava o constrangimento do sujeito passivo da relação tributária preservando o direito deste ao questionamento administrativo, e preservava também os interesses do fisco, garantindo o recebimento integral do crédito tributário que a Administração a final tivesse como efetivamente devido. Mesmo assim teve existência breve, vigorando apenas até o final de 1991. 3.2.5. Lei nº 8.383/91 Com efeito, a Lei nº 8.383, de 30 de dezembro de 1991, em seu art. 98, revogou expressamente o art. 2º, da Lei nº 4.729/65 e o art. 14, da Lei nº 8.137/90. Era a implantação do denominado terrorismo fiscal. Não demorou, porém, e voltou a prevalecer o bom senso do legislador, que no art. 3º, da Lei nº 8.696, de 26.08.93, restabeleceu o pagamento do tributo como causa de extinção da punibilidade. O mesmo bom senso, porém, não esteve presente no Executivo, que terminou vetando o dispositivo inovador 3.2.6. Lei nº 8.696/93 Realmente, o art. 3º da Lei nº 8.696, de 26 de agosto de 1993, estabeleceu: "Extingue-se a punibilidade dos crimes previstos nos arts. 1º a 3º da Lei nº 8.137, de 27 de dezembro de 1990, quando o agente promover o pagamento do tributo ou contribuição social, com seus acessórios, antes do encerramento do procedimento administrativo." Esse dispositivo, porém, foi vetado pelo Presidente da República, por razões assim expostas: "Razões do veto O dispositivo, tal como redigido, importará na extinção da punibilidade de agentes dolosos, cujo procedimento caracteria os crimes enumerados nos arts. 1º a 3º da Lei nº 8.137, de 27 de dezembro de 1990, uma vez que a ação fiscal e a representação criminal são simultâneas. Quer isto dizer que, no momento em que instaura o processo administrativo, o agente fiscal deve também, configurado o crime, promover a denúncia ao Ministério Público para instauração do processo criminal. Conseqüência da simultaneidade do início dos procedimentos é a possibilidade de o contribuinte, antes do término do processo administrativo - mas mesmo após a ocorrência de condenação criminal - efetuar o recolhimento dos tributos e encargos e alcançar a impunidade. É de ser relevado que, referindo-se o art. 3º da lei citada a crimes praticados por servidor público, a extinção da punibilidade, pelo pagamento do tributo, colocaria os ganhos ilícitos provenientes da corrupção funcional, a salvo de qualquer penalização. A norma ora vetada alcança, na verdade, é o contribuinte cuja má-fé ficou caracterizada. E isto é evidentemente, contrário ao interesse público, por contravir diretamente o princípio da moralidade administrativa. Ademais, observo que a Lei nº 8.137 admitia a extinção da punibilidade no caso de o agente promover a satisfação das obrigações tributárias antes do recebimento da denúncia criminal. Essa disposição (art. 14), foi revogada pela Lei nº 8.383, de 30 de dezembro de 1991. A norma ora vetada, entretanto, permitiria a extinção da punibilidade mesmo após a aplicação da pena, desde que o processo tributário administrativo pode prolongar-se além do processo criminal, e o pagamento feito na instância administrativa teria efeito absolutório. Não obstante, reconheço que, a par da natureza pedagógica das normas penais, principalmente no campo fiscal, razões ocorrem pelas quais devem ser procurados procedimentos que não desestimulem o arrependimento eficaz, mediante a satisfação espontânea na via administrativa, das obrigações tributárias. Já determinei, portanto, a realização de estudos que permitam ao Poder Executivo propor ao Congresso Nacional projeto de lei consubstanciado normas que acautelem o interesse e a moralidade da Administração e, ao mesmo tempo, contemplem adequadamente os interesses e a situação do contribuinte em falta. Estas, Senhor Presidente, as razões que me levaram a vetar em parte o projeto em causa, as quais ora submete à elevada apreciação dos Senhores Membros do Congresso Nacional." Preconizava, como se vê, o Chefe do Poder Executivo, o terrorismo fiscal, com a utilização da ameaça de ação penal como forma de intimidação, que certamente acreditava capaz de resolver o problema da sonegação fiscal. A ação penal teria de ser promovida simultaneamente com a ação fiscal, e sendo assim não se poderia admitir a extinção da punibilidade depois de proposta a ação penal. Pouco mais de dois anos depois, todavia, voltava a prevalecer o bom senso, e mais uma vez colocava o legislador o pagamento do tributo como causa extintiva da punibilidade. 3.2.7. Lei nº 9.249/95 Com efeito, a Lei nº 9.249, de 26.12.95, em seu art. 34 restabelece a extinção da punibilidade pelo pagamento, assim: "Art. 34. Extingue-se a punibilidade dos crimes definidos na Lei nº 8.137, de 27 de dezembro de 1990, e na Lei nº 4.729, de 14 de julho de 1965, quando o agente promover o pagamento do tributo ou contribuição social, inclusive acessórios, antes do recebimento da denúncia. O pagamento tornou-se, então, extintivo da punibilidade desde que efetuado antes do recebimento da denúncia. E como esta somente pode ser oferecida depois de encerrado o processo administrativo, tem-se que o dispositivo legal em referência é bem melhor, do ponto de vista de política legislativa, do que o anterior, que exigia fosse o pagamento efetuado antes do encerramento do processo administrativo. 3.2.8. Lei nº 10.684/05 Em maio de 2005 veio a lume a Lei 10.684, que estabelece: Art. 9º - É suspensa a pretensão punitiva do Estado, referente aos crimes previstos nos arts. 1º e 2º da Lei 8.137, de 27/12/90, e nos arts. 168-A e 337-A do Dec.-lei 2.848, de 07/12/40 ? Código Penal, durante o período em que a pessoa jurídica relacionada com o agente dos aludidos estiver incluída no regime de parcelamento. § 1º - A prescrição criminal não corre durante o período de suspensão da pretensão punitiva. § 2º - Extingui-se a punibilidade dos crimes referidos neste artigo quando a pessoa jurídica relacionada com o agente efetuar o pagamento integral dos débitos oriundos de tributos e contribuições sociais, inclusive acessórios. Antes do advento desse dispositivo legal o Supremo Tribunal Federal já admitia que o pagamento, mesmo depois do recebimento da denúncia, operava a extinção da punibilidade. Não era pacífico o entendimento, mas ensejou o deferimento de habeas corpus para o trancamento de ação penal. Depois da Lei nº 10.684/05 o assunto pacificou-se. É digna de nota, porém, a manifestação do Ministro Sepúlveda Pertence, que antes ficara vencido e resolveu acompanhar o relator, assinalando, porém, que a nova lei tomou escancaradamente clara que a repressão penal nos ?crimes contra a ordem tributária? é apenas uma forma reforçada de execução fiscal. Essa tese ficou bem evidente no entendimento de alguns magistrados que, em face da denúncia mandavam dar ciência desta ao acusado para, querendo, pagar e obter a extinção da punibilidade.

 LEIA TAMBÉM:
A CRISE EM HONDURAS
RECICLAGEM DE LIXO E TRIBUTAÇÃO
A VISTA OU NO CARETÃO
O IPI COMO IMPOSTO FIXO
home
Curriculum Vitae
Estudos Doutrinários
Pareceres
Livros Publicados
Icet
Notícias
Links
Contato / Fale Conosco
 
Cadastre-se no site do o Prof. Hugo Machado
nome:
e-mail:
 
 
 
Copyright © Prof. Hugo de Brito Machado - Todos os direitos reservados
Visite a página da QIS